Jovem de Cotia, formada em arquitetura, é admitida com bolsa integral para PhD no Canadá

Egressa do curso de Arquitetura e Urbanismo pela Ufal – Universidade Federal de Alagoas, Mayara Almeida de Paula, nascida e moradora de Cotia, tinha um objetivo em mente desde muito jovem: cursar a graduação em uma universidade pública. A oportunidade veio quando foi aprovada no vestibular em 2013. Ao se mudar para Maceió, uma cidade a 2.000km de casa, não imaginava que esse seria o primeiro passo para uma jornada pelo mundo: foi selecionada com bolsa integral para um PhD (equivalente ao doutorado no Brasil) em Planejamento, na Universidade de Toronto, no Canadá.

“A aprovação no vestibular e a minha vinda para a Ufal, em Maceió, foram as primeiras grandes mudanças na minha vida. Costumo dizer que esse momento me deu asas: saí de perto da minha família e amigos, mas ganhei autonomia e percebi que conseguiria dar conta”, relembrou.

Enquanto cursava a faculdade, Mayara buscou aproveitar todas as oportunidades oferecidas pela Ufal. Participou do PET – Programa de Educação Tutorial desde o primeiro ano até concluir sua graduação e também foi professora do Paespe – Programa de Apoio aos Estudantes das Escolas Públicas do Estado.

A experiência com a docência despertou na jovem o interesse pela academia. “Eu ministrei aulas no Paespe, um programa voltado para estudantes do ensino médio, de escolas públicas e de baixa renda, com o objetivo de auxiliá-los na entrada em universidades públicas. Dei aula de ciências humanas e suas tecnologias e isso me influenciou muito no sentido de me fazer perceber que eu poderia ser uma professora, uma educadora”, revelou.

A pesquisa se apresentou na vida de Mayara como uma grande vocação e como um instrumento para mudanças, não apenas pessoais, mas principalmente coletivas. Suas vivências como uma jovem negra, vinda de um bairro periférico de Cotia, influenciaram na escolha do seu objeto de pesquisa durante a graduação, mestrado e, agora, no PhD.

“Tenho pesquisado a relação das mulheres negras com as cidades, tentando entender como raça e gênero influenciam na forma como elas se deslocam, ocupam e usufruem dos espaços e também como as violências advindas dessas vertentes impactam a forma como vão ter seus direitos negados ou restritos, na forma como essas mulheres acessam equipamentos ou serviços públicos”, explicou.

Seu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Análise Interseccional da Vida Urbana: Reflexões acerca da Condição de Mulheres Negras na cidade de Maceió-AL, foi premiado em 2019 como um dos 30 melhores do ano entre os países lusófonos pelo site ArchDaily, a plataforma de Arquitetura e Urbanismo mais visitada do mundo. A monografia foi orientada pela docente Flávia de Sousa Araújo.

“É difícil falar pouco sobre a Mayara. Durante a graduação, a aluna revelou bom relacionamento, espírito de iniciativa, maturidade, motivação e criatividade no convívio com os alunos e professores”, avaliou Flávia.

“Na FAU, seu TCC foi pioneiro ao analisar a cidade de Maceió a partir de uma perspectiva e metodologia interseccional, com base em epistemologias feministas e antirracistas. Paralelamente, como integrante do PET de Arquitetura, ela organizou atividades que abordavam questões de gênero, raça e classe no contexto urbano e acadêmico. Esse engajamento na extensão, a produção, a publicação e a apresentação oral de seus trabalhos acadêmicos durante a graduação, bem como a defesa final de seu trabalho de bacharelado, marcam uma virada epistemológica antirracista na produção de conhecimento na FAU. Seu trabalho segue inspirando outros trabalhos de graduação e pós-graduação da Faculdade, que a citam entre seus referenciais teóricos e práticos”, complementou.

Um ano após concluir a graduação, Mayara ingressou no mestrado do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, um dos melhores do país e que obteve conceito 6 na última avaliação da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

“Nas minhas pesquisas, eu busquei compreender como o planejamento urbano pode e tem sido um instrumento utilizado para perpetuar as desigualdades. Mas também venho pensando em estratégias e políticas públicas que visem mitigar essas violências, especialmente vivenciadas por mulheres negras, como eu. As cidades são desenhadas pelas pessoas que detêm o poder, sendo estruturadas para atender esses grupos, em detrimento de outros”, explicou. “Então, eu vou pro PhD me aprofundando na ideia de propor soluções feitas por nós e para nós”, complementou Mayara.

Sonhos possíveis

Em 2016, durante o intercâmbio que fez na graduação, a jovem Mayara percebeu o potencial que tinha. “Só tinha uma vaga para o TopChina e eu consegui passar. Acho que foi essa primeira vez que eu olhei para mim mesma e percebi, com muito orgulho, que era possível. Que pessoas vindas de onde eu vim poderiam sonhar alto”.

Sendo uma menina negra, periférica, que concluiu o ensino médio em uma escola pública e foi primeira da sua família a ingressar em uma universidade federal, Mayara sabe que sua trajetória é uma exceção e tem como um dos maiores sonhos pavimentar um caminho mais fácil para garotas como ela. Esse caminho passa por um esforço pessoal, claro, mas só é possível com a construção e fortalecimento de políticas públicas, com a ocupação de espaços de poder e com a promoção de oportunidades.

“Eu sou uma pesquisadora e uma arquiteta negra. Eu sempre me posiciono assim nas minhas pesquisas e na minha vida porque eu acho importante falar de onde eu vim e como isso move muito dos meus sonhos”, explicou. “Eu sou movida pela vontade de fazer com que outras meninas negras, outras mulheres que venham de famílias que nunca sonharam com um membro que entrasse no ensino superior, tenham menos percalços que a minha geração e que as gerações anteriores a minha tiveram”, afirmou.

Mayara foi selecionada para outras grandes universidades, mas escolheu Toronto, não apenas por estar entre as 20 melhores instituições de ensino do mundo, mas por ter a oportunidade de desenvolver estudos de planejamento de cidades voltadas à inclusão.

“Acho que isso é um trabalho de formiguinha e eu me sinto nesse papel de pensar em estratégias para que outras meninas tenham menos dificuldades. Para que elas vivenciem cidades em que não precisem ter medo de andar sozinhas, que possam sonhar e se transformar em professoras e pesquisadoras. Para que elas possam desenhar cidades e estarem em espaços de poder. E eu entro nesse PhD com essa esperança e com essa vontade. Mesmo sabendo que é um trabalho longo e que o resultado precisa ser coletivo e desenvolvido por anos, de alguma forma, eu estou fazendo a minha parte”, concluiu.

Por Izadora Garcia – Ufal