Coluna de Marcos Martinez (Professor Marcão): Fim do dia

Naquela manhã calorenta, Antônia amanheceu angustiada. Uma coisa ruim no peito. Um sentimento que ela não conseguia entender e nem explicar. Sabia que não era um bom sentimento. Não dormiu direito e passou a noite inteira se virando de um lado para o outro da cama. Disse à mãe ao amanhecer: parece que tinha espinho no colchão da cama mãezinha.

Antônia tinha uma voz delicada quando falava.
No café da manhã, mesa posta, contou à mãe que teve pesadelos horríveis. A mãe, calma como era, opinou com sua sabedoria popular dizendo-lhe: talvez tenha sido o jantar de ontem. Comer à noite e logo ir dormir dá pesadelo mesmo. Antônia sorriu meio sem graça levantou-se e foi apressadamente aprontar o filho para levá-lo à escola.

Antônia não prolongou a conversa sobre o pesadelo para não preocupar sua mãe.
Antônia andava muito triste, chorosa com a separação recente e repentina do marido. Um casamento de anos. Ela fazia questão de manter a imagem de um casamento feliz para a família e amigos. No dia a dia não era bem assim: José Carlos era ciumento desde a época de namoro. Afastou Antônia dos amigos, amigas e da família. Com o nascimento do primeiro filho o ciúme aumentou ainda mais. Tinha ciúmes de Antônia com o jeito que cuidava do menino – cuidado de mãe zelosa.

Com o nascimento de Maria Clara as coisas pioraram. O ciúme aumentou ainda mais com desconfiança e pressão psicológica. Dizia ele, apenas à Antônia, que a menina não era sua filha. Ela era fisicamente diferente do Thiaguinho. Repetia diariamente que Maria Clara não era sua filha. Para os outros falava o contrário e exaltava a beleza da menina e dizia que era sua cara. Antônia desdobrava-se emocionalmente para remover José da ideia de que a filha não era dele. Parece que agia daquela forma para humilhar e ter o controle sobre Antônia. Agia com maldade.

Ela era uma moça brincalhona e sorridente, antes de conhecer José. Era cercada de amigos e amigas. Uma boa estudante. Sonhava fazer medicina. Com o tempo de casamento perdeu o brilho nos olhos. Abandonou a escola. Deixou a vaidade de lado. Tudo em nome do amor. Antônia, agora andava de cabeça baixa.

A pressão psicóloga e a desconfiança aumentavam cada dia. Foi proibida de ir à casa da mãe. Com o tempo começaram as agressões físicas. Cárcere privado. No fundo da casa fez um cômodo com acústica, um cubículo. Antônia inocentemente achou que aquele quarto era para ele ouvir música ou tocar violão, arte que José apreciava. A ideia de que Maria Clara não era sua filha tornara-se uma obsessão. Queria saber quem era o pai da menina.
Antônia ficava inerte diante de suas atitudes agressivas. Começou a castigá-la trancando-a no cubículo acústico para que ninguém ouvisse seus pedidos de socorro. Em um descuido de José, Antônia, escapou com os filhos. Na casa da mãe, aliviada, pediu para ficar um tempo até José voltar de viagem. Envergonhada não contou para mãe o que vinha acontecendo com ela e os filhos.

Após deixar os filhos na casa da mãe, saiu dizendo que ia fazer compras. Decidida foi até uma delegacia e contou sua história de humilhação e agressões à delegada. A delegada destemida organizou uma tocaia e prendeu José. A primeira reação de José foi agir como se nada estivesse acontecendo. Chorava como uma criança dizendo que seu amor por Antônia era grande demais e não podia viver sem ela. Antônia trocou seu nome e dos filhos e mudou de cidade. Vive bem. José saiu da cadeia meses depois e prometeu vingança. Um dia eu encontro ela e acabo com a vida dela.
Nem toda declaração de amor é verdadeira.

*Marcos Martinez é escritor e formado em História; atuou na Secretaria da Educação de Cotia de 2000 a 2008. Atualmente presta trabalho na Fundação Gentil, na elaboração e implantação de projetos educacionais para o ensino fundamental. Escreveu os livros Memória & imagem e Hospital de Cotia: um símbolo. Escreve mensalmente no Jornal Cotia Agora.