Felipe e Zeca Giaffone criam startup em Cotia para transformar veículos com motor a combustão em modelos elétricos

Por fora, o reluzente Fusca cinza mantém o brilho e a aparência impecáveis de quando deixou a linha de montagem da Volkswagen, em 1984. As placas pretas, de colecionador, reforçam a ideia de que o modelo preserva a originalidade até o último parafuso. Mas basta abrir a tampa traseira para constatar que esse clássico besouro anda diferente – literalmente. Em vez do tradicional motor a álcool boxer, esse Fusca recebeu motor elétrico. Saiu de cena o velho 1.6 de 57 cv e 11,8 mkgf, e entrou em seu lugar uma unidade capaz de gerar 56 cv e 14,2 mkgf.

O Fusca “dá expediente” na Giaffone Electric, uma startup criada em Cotia, há dois anos, para transformar veículos com motor a combustão em elétricos. Nesse primeiro momento, a empresa está focando em comerciais (vans de carga e caminhões), mas o sedã da Volkswagen é utilizado como uma “bancada de testes” para novas baterias e outros componentes do sistema elétrico, diz Zeca Giaffone, CEO da empresa.

De acordo com o executivo de 48 anos, o diferencial da startup é desenvolver projetos sob medida para as necessidades do cliente. “Por que [instalar] um pack de baterias supergrande, para 200 km de autonomia, se o cliente não anda mais do que 100 quilômetros por dia?”, questiona. “Baterias são caras e pesadas. Então, pode-se fazer um produto mais em conta [economizando-se na bateria].”

Giaffone ressalta que a transformação de um veículo com motor a combustão em elétrico – operação conhecida como retrofit – também traz ganho ambiental. “Uma coisa bacana é que você pega um carro que está quase no final da vida, que seria descartado, e deixa ele praticamente novo e mais evoluído. Um veículo que já poluiu muito [considerando-se que as emissões tendem a aumentar com o tempo de uso] vai passar a não poluir nada.”

O executivo diz que a primeira experiência nesse campo foi a construção de um UTV híbrido, modelo de competição off-road com bateria de nióbio (que proporciona recargas mais rápidas). O veículo estreou no Rally dos Sertões do ano passado. “A partir daí, as pessoas começaram a procurar a gente”, diz.

Além do UTV e do Fusca, a Giaffone Electric já transformou uma van Fiat Ducato (0-km) e um caminhão Mercedes-Benz 712 ano 2012. Agora, a empresa está trabalhando em outra van e em um caminhão maior, um Volkswagen 15180. Segundo Giaffone, a transformação do primeiro modelo de um veículo pode demorar até cinco meses, porque inclui o desenvolvimento do projeto. “Depois que o primeiro estiver pronto, dá para fazer os seguintes em 10, 15 dias, desde que sejam iguais”, estima.

Como o projeto é customizável, os preços podem variar muito, dependendo do tamanho da bateria, para obter a autonomia pretendida. Assim, os custos variam de R$ 200 mil (para baterias menores e baixa autonomia) a R$ 600 mil (grandes baterias e alta autonomia).

Em vista do preço, o empresário avalia que o retrofit só compensa para quem roda muito ou para empresas com grande ênfase em ESG (ou demandas ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês). Segundo ele, quando essa é a diretriz da companhia, “a conta começa a fechar”.

“Fusca tem cheiro de Fusca”

Quando a startup decidiu adquirir um carro para realizar o transplante de motor, a ideia inicial era recomprar o Fusca que foi o primeiro carro de Zeca e de seu irmão, Felipe. Na época, Zeca tinha 16 anos, e o irmão, 15. “Nós usamos o carro por dois anos, e depois meu pai o deu de presente a um antigo funcionário nosso. Ele manteve o Fusca até dois anos atrás, mas, depois, o vendeu, e não conseguimos mais localizá-lo”, diz Felipe.

Como a procura foi em vão, Zeca diz que acabou comprando de um colecionador um modelo exatamente igual, inclusive da mesma cor. “Incrível que Fusca tem cheiro de Fusca. Quando entrei no carro, me lembrei do nosso na hora”’ comenta Zeca

De qualquer forma, cheiro de álcool ele não tem mais. O motor original, de 38 anos, agora descansa na oficina da startup, localizada na Granja Viana, em Cotia, e em seu lugar, atualmente, trabalha uma unidade elétrica que, embora tenha 1 cv a menos, possui 2,4 mkgf (ou 20%) a mais de torque, o que, de acordo com Zeca Giaffone, lhe garante mais agilidade nas acelerações.

A bateria de 11 kWh ocupa o local na dianteira, onde, originalmente, ficava o tanque de combustível. O câmbio manual de quatro marchas foi preservado, e a tração permanece na traseira. Giaffone informa que o “besouro” cinza tem autonomia de 65 quilômetros. O tempo de recarga é de 3,5 horas.

Do Mobilidade.Estadão – Foto: Marco Ankosqui