Marcus Nakagawa: Felizes para sempre é um mantra?

Como todo bom feriado, numa família com crianças, fomos ao cinema e também assistimos a alguns filmes infantis em casa. A produção, o roteiro, a finalização e as músicas são maravilhosas. As piadas dos filmes são para adultos e menos para as crianças.

Mas para quem nasceu numa geração em que o desenho animado fez parte da formação, fico encantado com o desenvolvimento deste mercado.

Mas a ideia aqui não é analisar o setor de animação ou de entretenimento, o que daria um ótimo artigo também, mas sim refletir sobre exatamente os aprendizados que temos com estes contos modernos, animados e muitas vezes comerciais.

Desde os contos de Grimm que tentavam passar os cuidados que as crianças deveriam tomar naquela época, muitos contos e histórias começaram a ter finais felizes. E todas as vezes que vemos um filme ou um desenho temos sempre momentos tristes e felizes. Diga-se de passagem que até minha filha fica super aflita e tampa até o rosto com as mãos nestes momentos tensos e tristes.

No caso das princesas sempre existe um príncipe encantado que chega a cavalo para salvá-la. No caso do herói sempre existirá um “do mal”, como diz meu filho, que será derrotado da forma mais cruel. No caso das criancinhas com problemas, sempre haverá alguém que resolverá suas crises de identidade ou de amadurecimento. De vez em quando surge até um antiherói para quebrar um pouco a mesmice das epopeias. Todavia, atualmente, o tema é o “verdadeiro” amor entre as irmãs que está fazendo um sucesso que a poderosa empresa de contos de fadas não consegue fazer roupas destas princesas suficientemente para abastecer o mercado. Enfim, há filmes sobre todos os arquétipos e ícones já estudados, como diriam meus queridos colegas professores de humanidades.

Mas afinal, este “felizes para sempre” existe?

Quando chega uma conta do cartão de crédito, já no terceiro mês de juros no crédito rotativo, pensamos que seremos felizes para sempre? Ou quando o chefe pede aquele relatório que você sabe que terá que rodar a empresa inteira atrás de informação e que terá que falar com aquelas pessoas que você não gosta e elas não gostam de você, será feliz agora e para sempre? Ou ainda, quando no final do mês encontra aquele seu amigo ou amiga que você sabe que está quebrado financeiramente e continua mantendo a pose, você imagina que ela ou ele é feliz para sempre com o seu príncipe ou princesa?

Pois é, quando tentamos colocar os “sábios” ensinamentos do mundo maravilhoso da fábrica de contos no nosso dia a dia, a magia fica meio bizarra e acabamos mais vendo ogros e vampiros do que princesas e heróis.

Muitas vezes, no carro, no trânsito interminável da Raposo, me pego pensando nisso e acho que estou ficando velho. Ou será que este termo também não é um arquétipo ou um estereótipo?

Talvez os psicólogos e psiquiatras de plantão poderão nos ajudar numa análise mais técnica; ou os sociólogos, com uma explicação mais humanística desta situação. O que entendo é que este mantra de ser feliz o tempo inteiro e para sempre é um grande problema para todos.

Não que eu não acredite nisso, realmente não acredito, mas é necessário muita oração, ou meditação, ou medicação para ficar 24 horas feliz para sempre.

Este mantra tem que ser quebrado. Temos que tomar muito cuidado para este ensinamento. Temos que lembrar das partes ruins dos filmes e como o vilão fez o mocinho sofrer. Ou como foi difícil para a princesa chegar aos braços do príncipe. Parece que tudo é fácil, é simples e rápido. Basta um clique e tudo fica rosa lindo e púrpuro, ou brilhando como o sol. É como trocar o jogo do videogame que não estamos conseguindo passar de fase.

 

Pois é, infelizmente temos altos e baixos, dias bons e ruins, horas boas e ruins, trabalhos fáceis e difíceis, trajetos fáceis e congestionados, questões de prova difíceis e fáceis. E isso tem que ser ensinado. Não podemos só mostrar o lado brilhante da força, pois junto terá o lado negro também. O Ying Yang, um princípio da filosofia chinesa, explica isso muito bem. Segundo os chineses, o mundo é composto por forças opostas e achar o equilíbrio entre elas é essencial.

Este é o ensinamento que tiro destes lindos contos animados, temos que ter a visão que existe sempre o difícil e o fácil, que sofreremos sim, mas também seremos felizes. Momento a momento. E em cada momento temos que curtir e evoluir. Para cada degrau que você cai, você deve subir outros dois. Para cada conta vencida que você paga, você toma mais cuidado para fazer uma nova dívida. Para cada emprego dos sonhos perfeito, existe um emprego bom, com momentos ruins e outros maravilhosos. Para uma família estilo comercial de margarina, existem dias de debates e dias de festa. Enfim, que eu saiba, não existe “feliz para sempre ou felizes sempre”. Existe sim, “felizes agora e, talvez, depois”. Não deixe este mantra te enganar… busque momento a momento!

*Marcus Nakagawa é sócio-diretor da iSetor; professor da ESPM; idealizador e presidente do conselho deliberativo da Abraps (Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade); e palestrante sobre sustentabilidade, empreendedorismo e estilo de vida. www.marcusnakagawa.com